A agente da Operação Lei Seca Luciana Silva Tamburini, que foi
condenada na semana passada a pagar uma indenização de R$ 5.000 por abuso de poder ao juiz João Carlos de Souza Corrêa, do 18º JEC (Juizado Especial Criminal) do
Rio de Janeiro, disse nesta quarta-feira (5) que não se arrepende da abordagem que lhe rendeu a pena, durante blitz na capital fluminense em fevereiro de 2011. "Fiz, faria hoje e em qualquer órgão que eu estiver eu vou continuar a fazer o que é certo", afirmou, durante entrevista ao Jornal Hoje, da TV Globo.
De acordo com decisão, em primeira instância, da 36ª Vara Cível do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio), a servidora pública "agiu com abuso de poder" e "zombou" do magistrado ao afirmar que ele "era juiz, mas não Deus". Corrêa estava sem a carteira de habilitação, com o carro sem placa e sem documentos quando foi parado. O veículo do magistrado, que era titular da 1ª Vara da Comarca de Búzios, foi rebocado.
Segundo a denúncia, houve um desentendimento verbal entre os dois e o caso foi parar na 14ª DP (Leblon). Luciana chegou a receber voz de prisão por desacato, mas se negou a ir à delegacia em um veículo da Polícia Militar.
"Ao apregoar que o demandado era 'juiz, mas não Deus', a agente de trânsito zombou do cargo por ele ocupado, bem como do que a função representa na sociedade", escreveu o desembargador José Carlos Paes, da 14ª Câmara Cível do TJ-RJ, que manteve a condenação em segunda instância.
Marcio Alves / O Globo
O juiz João Carlos de Souza Corrêa, titular do 18º JEC (Juizado Especial Criminal) do Rio de Janeiro, processou a agente de trânsito por abuso de poder
"É bastante desmotivante para a própria pessoa que trabalha nessa área, ou em segurança pública, você saber que está fazendo o que a lei manda, agindo corretamente, e ainda ser punido por isso", declarou Luciana, que disse ainda não ter tido a intenção de ofender o juiz. "Eu falei que ele não é Deus porque as coisas não são assim". Ela contou ainda que o magistrado parecia querer ter um tratamento privilegiado diante dos outros agentes.
Vaquinha
A agente de trânsito agradeceu a mobilização e disse que vai doar o valor excedente a alguma instituição de caridade. "Você ver que a sociedade está ao seu favor eu acho que já é um grande incentivo para todo mundo", declarou. Ela contou ainda que recebe salário de R$ 3.600 e que teria dificuldades para pagar sozinha o valor total da indenização.
A advogada paulista Flavia Penido, criadora da vaquinha, justificou a iniciativa dizendo que a decisão "é um acinte a todos aqueles que defendem o direito de igualdade". A página ganhou o nome de "A divina vaquinha", uma referência irônica ao fato de que a agente disse que o juiz não é Deus. A advogada também propôs que a hashtag "#juiznaoehdeus" fosse compartilhada para divulgar a vaquinha. Centenas de usuários da rede replicaram o termo pedindo apoio para a agente.
"O pessoal está indignado. Eu, como cidadã, também fiquei. Como advogada, eu achei a decisão do tribunal digna de muitas críticas. Pode-se questionar se foi certo ou não ela ter dito que ele era juiz, mas não Deus, mas na hora que a gente confronta as duas atitudes é óbvio que ele estava errado", afirmou Flavia, que atua na área de direito digital.
Segundo a advogada, o objetivo da vaquinha não foi apenas ajudar a agente financeiramente. "A intenção também foi dar suporte emocional a ela, fazê-la perceber que a atitude dela não foi em vão, que ela não está sozinha", disse. Para ela, é importante que o Judiciário perceba que a sociedade está atenta ao seu trabalho. "É um tapa com luva de pelica", resumiu.
Sobre a arrecadação ter superado o valor da indenização, Flavia disse que mandaria todo o dinheiro pra Luciana. "Ela que comemore com os amigos, ela merece", afirmou. A advogada disse ainda que planeja fazer a entrega publicamente.