Claudionor Vianna Telles Velloso, 105, a Dona Canô, morreu hoje, em
Salvador, após sofrer uma isquemia transitória --os sintomas são
semelhantes aos de um AVC (Acidente Vascular Cerebral), devido à falta
de sangue em uma região do cérebro. Dona Canô foi internada há 10 dias
no Hospital São Rafael em estado grave. Em 16 de setembro, quando
completou 105 anos com grande festa em Santo
Amaro da Purificação (a 67 km de Salvador), onde mora, disse à
Folha
não ter medo da morte. "Não tenho, não, meu filho. Acredito em Deus e
sempre vivi com a minha família, com pessoas do meu lado, com a casa
cheia. Acho que esse é o segredo [da longevidade]".
FIGURA ILUSTRE
Dona Canô nasceu no dia 15 de setembro de 1907, em Santo Amaro da
Purificação, na Bahia. Mãe dos cantores Caetano Veloso e Maria Bethânia,
dona Canô se tornou uma das personagens mais ilustres de Santo Amaro e
do próprio Estado da Bahia. Casou-se em 1930 com José Teles Velloso, mais conhecido por Zeca ou seu
Zezinho, funcionário público dos Correios, que morreu em dezembro 1983,
aos 82 anos.
"Eu me casei com vinte e três anos. Eu já conhecia Zeca, através de um
amigo dele. (...) Nós íamos todo dia passear na praça. Naquele tempo se
passeava muito na praça, hoje não se pode. (...) Quando foi um dia, Zeca
disse que ia falar com Papaizinho [pai de D. Canô] e que a gente ia se
casar. Eu disse: Oxente!" O casamento foi marcado com pressa, porque o
Zeca ia ser transferido.
(...) Nós casamos no dia 7 de janeiro de 1931." * [trecho de "Canô
Velloso - Lembranças do Saber Viver"] Teve oito filhos, sendo a
primogênita Maria Clara, e a cantora Bethânia a mais nova. "Quando Maria
Clara nasceu eu estava com um ano e dois meses de casada.
(...) os outros é que vieram, não sei por que, tão ligeiro assim, um
atrás do outro. Um atrás do outro não, porque, de Clara para Mabel foram
dois anos, de Mabel para Rodrigo não demorou, foram onze meses, de
Rodrigo para Roberto cinco anos, de Roberto pra Caetano quatro anos, de
Caetano para Bethânia quatro anos. Só de Mabel para Rodrigo foi rápido."
INFLUÊNCIA POLÍTICA
Dona Canô ganhou mais prestígio em Santo Amaro (BA) do que qualquer
político, empresário ou líder religioso da cidade. Na cidade de 60 mil
habitantes, localizada no recôncavo baiano (a 71 km de Salvador), ela
era considerada mais influente até do que seus dois filhos ilustres,
Caetano Veloso e Maria Bethânia.
Em época de eleição municipal era assediada por políticos de todos os
espectros, que buscavam seus conselhos. Dona Canô era a primeira a ser
ouvida pelo prefeito quando o município precisava tomar uma decisão, e
também recebia visitas de empresários que queriam sua bênção para se
instalar na cidade. Sua casa, a de número 179 na avenida Vianna Bandeira, no centro, é ponto turístico de Santo Amaro.
ACM E LULA
Dona Canô possuía uma forte e antiga amizade com o senador Antônio
Carlos Magalhães (ACM) e, por extensão, com seu grupo de aliados, que
mantiveram a hegemonia do poder no Estado durante décadas. Ela esteve
presente na
missa em homenagem
em homenagem a ACM, que faria 80 em 2007, mas morreu em junho daquele
ano. A amizade que desfrutou com o influente ACM permitiu a dona Canô
conseguir diversos projetos de melhoria para Santo Amaro, como a reforma
e iluminação da igreja matriz da cidade, ou a construção de um teatro
com 380 lugares. O governo do Estado também lhe enviava, sempre que
solicitado, doações de artigos como cadeiras de rodas, colchões e
agasalhos, que Dona Canô distribuía para centenas de pessoas que se
aglomeram na porta de sua casa.
Apesar de tanta influência, a matriarca dos Velloso era humilde: "Se
hoje me reconhecem é por causa dos meus filhos. Eu não sou nada",
afirmou ela em entrevista à
Folha, em 2000. A ligação de Dona Canô com Lula também é notória. Em 2002, nas vésperas
da votação que daria a Lula seu primeiro mandato presidencial, ela
telefonou ao então candidato, e lhe parabenizou pela campanha, chegando
inclusive a cantar o jingle da campanha de Lula no telefone, acompanhada
de sua família.
DESAUTORIZANDO CAETANO
Lula também foi o motivo de uma das últimas polêmicas protagonizadas por
Dona Canô, em 2009, desta vez envolvendo seu filho. Caetano disse em
entrevista ao jornal "Estado de São Paulo" em 5 de novembro, que apoiava
a candidatura de Marina Silva à presidência da República, porque ela "é
inteligente como o Obama, não é analfabeta como o Lula, que não sabe
falar, é cafona falando, grosseiro." A declaração obteve grande repercussão, o que fez Dona Canô manifestar
intenção de ligar ao presidente para pedir desculpas, em nome de
Caetano. "Lula não merece isso. Quero muito bem a ele. Foi uma ofensa
sem necessidade. Caetano não tinha que dizer aquilo. Ele é só um cantor.
Vota em Lula se quiser, não precisa ofender nem procurar confusão."
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A polêmica foi encerrada poucos dias depois, quando Lula ligou
pessoalmente para Dona Canô para perdoar Caetano pela declaração. "Não
fique chateada, preocupada, porque gosto muito da senhora e gosto do
Caetano também. Está tudo bem, essas coisas acontecem", disse o
ex-presidente. |
SINCRETISMO
Religiosa, liderou durante anos a Novena de Nossa Senhora da
Purificação, popularmente conhecida como Novena de Dona Canô, tradição
católica de quase três séculos que acontece sempre na última semana de
janeiro. Essa devoção não a impediu de comandar também as baianas
adeptas do candomblé na festa da lavagem da escadaria da igreja.