por Cláudia Cardozo

Foto: Max Haack/ Ag. Haack/ Bahia Notícias
Desde 2016, os postos de combustível de Salvador
comercializaram bebidas alcoólicas em suas conveniências, através de uma
liminar deferida pelo desembargador José Rocha Edivaldo Rontondano, do
Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), no bojo de um mandado de
segurança. Muitos postos, neste tempo, foram autuados pela prefeitura,
mas conseguiam vender os produtos por força desta liminar. Mas, agora,
com a decisão plenária do TJ-BA, eles não precisarão mais da medida
cautelar. Isso porque, o TJ decretou a inconstitucionalidade da Lei
Municipal Lei 249/11, que estabelecia que os postos de gasolina só
poderiam comercializar bebidas alcoólicas das 6h às 22h. A ação direta
de inconstitucionalidade foi movida pelo Sindicato do Comércio de
Combustíveis, Energias Alternativas e Lojas de Conveniências
(Sindicombustíveis). Na tribuna, o advogado do sindicato, Ermiro Neto,
afirmou que o Brasil vive “um verdadeiro regime jurídico de regulação do
consumo do álcool”, como a proibição de propagandas de bebidas
alcoólicas em determinado período do dia, Lei Seca, proibição de venda
de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos e para torcedores nos
estádios. Ermiro destacou que uma proibição de consumo de bebidas só
pode ocorrer por força de lei federal, o que não ocorreu em Salvador. A
lei foi proposta pelo então vereador Paulo Câmara (PSDB) - agora
licenciado - e foi sancionada pelo então prefeito de Salvador, João
Henrique. O advogado afirmou que a “lei é escancaradamente
inconstitucional”. “Não há nenhuma lei dessa natureza em outra cidade,
quando houve, foi declarada inconstitucional”, asseverou. Ainda em sua
sustentação oral, Ermiro Neto afirmou que “as pessoas não deixam de
beber e dirigir porque deixam de comprar bebidas em postos de gasolina".
“Elas continuam bebendo em bares, restaurantes, inclusive, próximo aos
postos”, reforçou. Para o representante do sindicato dos postos de
combustível, se a preocupação é em diminuir os acidentes, já existe a
Lei Seca, que é muito mais exitosa no assunto.

Advogado Ermirio Neto | Foto: Reprodução/ Youtube
O relator, em seu voto, defendeu a competência do município
para editar uma lei para restringir, e não proibir, a venda de bebida
nos postos de combustível. José Alfredo reforçou que a municipalidade
não usurpou a competência da União ao editar a lei, por não se tratar de
proibição, e por entender que a medida está relacionada a um interesse
local. Ele pontuou que, antes da norma, os postos abandonaram seu
objetivo principal e passaram a vender bebidas alcoólicas de madrugada,
e, com isso, "ocorriam verdadeiras festas com sons dos carros ligados em
alto volume, com engarrafamento no entorno dos postos de gasolina e o
que se via era jovens alcoolizados, dirigindo em alta velocidade, pondo
em risco suas vidas e outras pessoas que passavam pelo local”. Dessa
forma, se criava uma “balburdia generalizada”, impedindo o descanso dos
moradores do entorno, com inúmeros acidentes de trânsito. O relator
ainda destacou que havia constantes queixas de moradores e que a “a
população clamava por medidas rigorosas nos postos de gasolina”. Ele
ainda afirmou que a lei está de acordo com o Plano Nacional para Redução
do Consumo do Álcool, editado pela presidência da República. Ainda
considerou que o interesse público se sobrepõe ao privado. A
procuradora-geral de Justiça, Ediene Lousado, deu parecer pela
inconstitucionalidade da lei.
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Relator foi o desembargador José Alfredo | Foto: Jefferson Peixoto/ Ag. Max Haack/ Bahia Notícias
O desembargador José Edivaldo Rotondano foi o autor do voto
divergente para ser coerente com a liminar que deferiu no mandado de
segurança. "É notório que na cidade de Salvador existem supermercados,
lanchonetes, bares, restaurantes, botecos e até mesmo barraca de
serviços e frutas que funcionam das 6h às 22 h e comercializam
legalmente bebidas alcoólicas, inclusive, em terrenos próximos a postos
de gasolina e de conveniências", ponderou. Para ele, uma eventual
deficiência na fiscalização de venda de bebidas não pode ser resolvida
com a proibição da comercialização do produto, “mas sim com adoção de
politicas efetivas pelo ente público". O desembargador Carlos Roberto
questionou se é ilegal vender bebidas alcoólicas. “Todos bares vendem,
supermercados vendem, nos horários que acham convenientes”, indicou. O
magistrado ainda disse que a “responsabilidade é do motorista se ele
comprar bebida e for dirigir”. “Ele pode ser multado e responder
processo penal, mas é problema dele motorista, com o Estado, não é do
comerciante", sinalizou. Com medidas como essa, Carlos Roberto afirmou
que churrascarias em beiras de estradas seriam fechadas por
comercializarem bebidas alcoólicas. “A lei é muito bem intencionada, mas
de boas intenções, como diz a literatura, o inferno está cheio",
frisou. Já o desembargador Luiz Fernando falou que "nada impediria que
eu comprasse a bebida as 21h30 e permanecesse ali bebendo" e que as ruas
estão desertas nas madrugas. Para Pilar Tobios, a lei, apesar de zelar
pela “paz social”, poderia ter sido proposta por outro caminho para ser
válida. A desembargadora Telma Britto ainda supôs uma situação: “Eu
fiquei aqui dando risada comigo mesmo. Ela proíbe a comercialização, mas
também proíbe ingestão de bebida no local, embora penalize tão somente o
estabelecimento. Eu fiquei imaginando o que o proprietário de um posto
faria se eu entrasse lá e com uma latinha cerveja na mão, tomando a
cerveja, se ele me colocaria para fora. Ela é totalmente
inconstitucional". O desembargador Nilson Castelo Branco lembrou ainda
uma lei de Feira de Santana, que impedia a venda de bebidas alcoólicas
nas Sextas-feiras Santas e foi declarada inconstitucional. "Não adianta
impedir alguém de beber, porque ele bebe levando a garrafa de uísque
dentro do carro ou vai comprar junto a ambulantes, dentro do posto. ou
então do bar vizinho", comentou. O voto final foi do presidente do TJ,
desembargador Gesivaldo Britto. "Não há como se impedir que alguém beba e
chegue a um posto embriagado, ou vá abastecer o carro e vá abastecer o
estômago com uma cervejinha. Não há como se proibir. É o livre
arbítrio”, ponderou. Ele ainda afirmou que a blitzes da Lei Seca é quem
deve dar conta para coibir acidentes e ainda que há uma lei municipal
que impede som alto após as 22h, em determinadas localidades. O placar
final pela inconstitucionalidade foi de 32 votos favoráveis e nove
contra.
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