por Giacomo Vicenzo | Folhapress
Foto: rerpodução / Opinião e Notícia
Seria mais um dia comum para o empreendedor Ney Santos, 37, morador de Vila Curuçá, na zona leste de São Paulo. Ele buscaria o filho na escola e depois voltariam para casa. No entanto, as vestes que usava na ocasião, características de sua religião, foram motivo para que os colegas do garoto o olhassem de forma diferente nos dias seguintes.
“Tenho um filho de sete anos. Na escola, ele sofria preconceito, pois eu já fui buscá-lo com roupa de santo e por conta disso sofreu bullying”, afirma Ney, que depois do ocorrido evitou os trajes para ir encontrar o filho.
Há 12 anos, Santos se tornou babalorixá, nome dado aos sacerdotes do Candomblé, religião de matriz africana. Ele é adepto há 25 anos e mantém um terreiro na região de Itaquera, também na zona leste da capital.
Na página do Facebook do terreiro, já chegaram mensagens como "esses macumbeiros têm que morrer", "só Jesus salva". "Estou com três processos abertos por conta de intolerância religiosa", lamenta.
Para tentar aumentar a consciência sobre a religião, ele mantém o projeto “Herdeiros do Axé”, que ensina sobre cidadania e a criação do mundo de acordo com o Candomblé para crianças e adolescentes das periferias. “O objetivo é ensinar o que a religião afro traz de bom e ouvir os alunos”, explica Ney.
O projeto é aberto para os frequentadores do terreiro, mas Ney afirma que o plano é expandi-lo para o público. O babalorixá é a favor de uma educação religiosa plural. Ele conta que o filho participou de um evento religioso na escola que não era da crença da família. “Eu questionei que não há problema, mas que deveria haver um dia para o Candomblé também”, comenta. O pedido não foi atendido.
PRECONCEITO
Ser vítima de atos preconceituosos é uma situação vivenciada por mais da metade dos praticantes de religiões de matriz africana no Brasil. De acordo com a pesquisa realizada pelo Datafolha, 68% dos adeptos afirmam já terem sofrido algum tipo de preconceito religioso.
Alguns eventos também têm buscado debater o tema. No começo deste ano, Cidade Tiradentes recebeu a ação “Um axé pela vida”, que reuniu frequentadores de religiões de matriz africana e empreendedores. A ação teve apoio da subprefeitura e foi organizado por terreiros da região.
Uma das participantes foi a programadora de produção Márcia Teixeira, 54, moradora de Diadema, na região metropolitana de São Paulo, e também é adepta do candomblé. Ela vende peças de artesanatos ligados à religião e faz parte do Coletivo de Afroempreendedorismo de Diadema. O projeto organiza eventos e feiras na região com foco na cultura afro.
Apesar do espaço, conta que já foi hostilizada nas ruas do bairro em que mora, enquanto estava no ritual de passagem de sua religião. “Quando eu raspei a cabeça algumas pessoas me chamaram de macumbeira e gritavam que a vaca estava vindo”, lamenta.
O pesquisador Miguel Farias faz doutorado em psicologia na universidade de Oxford, na Inglaterra, e visitou 15 centros de cultos no país, sendo nove destes dentro de regiões periféricas. Ele afirma que a sociedade tem dificuldades em aceitar situações de "transe" ou de "possessões" de outra personalidade.
“Creio que esse aparente preconceito é na verdade motivado por um medo profundo de verdadeiramente não sabermos quem somos e vermos que no mundo existem pessoas que deixam de ser quem são para terem no corpo uma outra entidade”, comenta.
Contudo, ele aponta que em outras religiões esse tipo de prática também acontece e não desperta a mesma reação comparada às religiões de matrizes africanas.
RELAÇÃO ENTRE RELIGIÕES
A operadora de telemarketing Andresa Tomaz, 28, moradora do distrito de Cidade Tiradentes, também na zona leste, conheceu o culto após o convite de uma amiga e se tornou uma praticante da Umbanda há seis anos.
Por quase toda vida, Andresa frequentou religiões pentecostais e afirma que sentia medo ao ver pessoas andando vestidas de branco na rua do bairro em que mora. “Eu era preconceituosa, conheci a religião por meio de uma amiga que ia no terreiro. A primeira vez que fui percebi que não era um bicho de sete cabeças”, lembra ela.
Andresa também conheceu sua mediunidade e é responsável pela incorporação dentro dos rituais do culto. “No começo meu esposo não aceitou que eu fosse, por conta das incorporações”, revela. O motorista Cleyton Tomaz Silva, 33, companheiro de Andressa, teve o primeiro contato com as religiões de origem africana quando ainda era criança. Havia um terreiro que pertencia a mãe de um amigo dele. “Ele tinha medo e acabava deixando toda nossa turma com medo também. Até imaginávamos barulhos na casa vazia”, diz.
Cleyton também relembra como os canais de televisão com conteúdo religioso acabavam reforçando o temor. “Existem muitos canais de igreja na televisão que falam sobre o que é certo e errado e por não conhecer na época ficava com muito medo”, explica.
Há cerca de três anos, Cleyton passou a frequentar a Umbanda com a esposa. Do outro lado, ele passou a conhecer um preconceito que já era enfrentado por ela como praticante da religião. “Já ouvi de um colega de trabalho que ele iria tirar o capeta que estava em mim. Em uma procissão que fizemos em Cidade Tiradentes ouvimos quando passávamos comentários como ‘Deus é mais’ e que ‘isso não era de Deus”, recorda.
“Andando aqui [dentro do bairro Cidade Tiradentes] vemos um monte de igrejas. E terreiros, você já viu? Nós nos escondemos nos fundos das comunidades com medo. Temos medo de nos mostrarmos de sair assim. As pessoas olham torto quando estou vestida de branco”, comenta Andresa.
Por outro lado, há exemplos de que a pluralidade é possível. É o que indica Alvina do Carmo Bertani, 70, conhecida como Mãe Vina. Ela tem um terreiro há 33 anos em Cidade Tiradentes e comenta ter uma convivência harmoniosa com outras religiões dentro do bairro.
“Tem uma igreja evangélica em frente ao terreiro e nós nunca tivemos atrito. Eles sempre nos respeitaram. Nossa missão é levar o bem e ajudar a comunidade com nossa religião”, afirma.
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