por Cláudia Cardozo
Foto: Divulgação
Qual valor repara a dor de não poder ver o próprio filho
crescer? Qual valor cobre todas as expectativas de ver uma criança de um
ano e oito meses de idade falar, sorrir e te abraçar? Qual valor
diminui a dor de uma mãe que perdeu a filha em um choque elétrico? Esse
valor teve que ser mensurado pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça
da Bahia (TJ-BA) ao condenar a Coelba a indenizar uma família em R$ 477
mil pela morte de uma menina eletrocutada, em outubro de 2006.
A família buscou a Justiça em uma ação de reparação por danos
morais. Em 1ª Instância, a Coelba foi condenada a indenizar a família
em R$ 700 mil e pagar pensão para os pais. A Coelba recorreu da decisão,
pediu para outras empresas participarem da ação na qualidade de réu, e
para que não fosse condenada a pagar indenização, por não ter culpa
sobre o fato. A Câmara rejeitou os pedidos da companhia para não
incorporar outras empresas na ação, mas reduziu o valor da indenização
para 500 salários mínimos, que atualmente somam R$ 477 mil.
A Coelba também foi condenada a ressarcir a família com os
custos do funeral em R$ 10 mil e a pagar pensão mensal vitalícia de dois
terços do salário mínimo de março de 2019 a fevereiro de 2030. Em 2019,
se a menina estivesse viva, completaria 14 anos. Em 2030, completaria
25 anos. A decisão destaca que, neste tempo, se viva, a vítima poderia
estar trabalhando e contribuindo para o sustento da família. Após o ano
de 2030, a pensão será reduzida para um terço do salário mínimo até a
morte dos pais, ou até fevereiro de 2075, quando a menina completaria 70
anos.
A criança morreu quando foi atingida pela rede de energia
elétrica na casa de sua vó, na cidade de Parimirim, no sudoeste do
estado. A família alega que os serviços de ligação de energia realizados
pela Coelba foram a causa da morte da menina por falta de manutenção da
companhia. No recurso, a Coelba alegou que o acidente ocorreu por culpa
da família, pois o pavimento superior da residência estava próximo à
rede de energia. Disse que a rede elétrica já estava instalada no local
há muito tempo, mesmo antes de existir a construção irregular realizada
pelos familiares da vítima, “não podendo a concessionária ser
responsabilizada por quaisquer danos, já que agiu em total conformidade
com as regras estabelecidas, mormente aos padrões determinados pela
ABNT”.
A empresa sustentou que a família confessou que a rede
elétrica estava no local há mais de 15 anos, atestando, assim, “a
irregularidade na ampliação do imóvel, vindo a aproximá-lo dos fios de
alta tensão”. Desta forma, defendeu que não é responsável pela morte da
criança. Ainda asseverou que a residência foi construída fora dos
padrões e técnicas de segurança e os familiares agiram com negligência
por não vigiar a criança. A Coelba também foi contra o pagamento de
pensão pelo fato da criança não contribuir com as finanças da casa.
De acordo com o relator, desembargador Baltazar Miranda
Saraiva, as provas dos autos atestam que o choque levou a criança a
óbito por falta de isolamentos entre cabos elétricos de alimentação da
concessionária e os cabos do padrão existente no local do incidente. O
relator reforça que as provas, testemunhas e fotografias “são
contundentes e comprovam que o choque elétrico descrito na exordial
ocorreu em razão da má prestação de serviços por parte da ré”. O
desembargador ainda assinala que a instalação elétrica estava fora dos
padrões de segurança, “não podendo a Coelba se eximir de sua
responsabilidade, simplesmente alegando que não é responsável pelo
evento danoso”. “Assim, constata-se que a ré deveria modificar o local
da fiação elétrica, diante da manifesta situação de risco, vez que os
condutores de energia elétrica se encontravam acessíveis através da
sacada do imóvel, não sendo observada a distância regulamentar pela
concessionária, que possui dever fiscalizatório”, escreve o
desembargador no acórdão.
Para ele, “é irrefutável que o multicitado incidente causou
dor, angústia e abalos psicológicos aos genitores da menor, que
suportarão por toda a sua vida as consequências do trauma decorrente da
morte precoce de sua filha, que teve sua vida ceifada antes mesmo de
completar dois anos de idade”. Os fatos, conforme Baltazar diz,
demonstram que a autora sofreu transtornos diante da perda da filha,
“frustrando todas as expectativas de um futuro de ver a sua filha falar,
sorrir, ter-se em seu colo, abraçar-te”.
VALOR EXCESSIVO
Apesar de reconhecer a dor da família, o relator do caso
reduziu a indenização de R$ 700 mil para R$ 477 mil por considerar que o
valor é excessivo, “extrapolando os limites da razoabilidade e
proporcionalidade”, podendo ser enquadrado como “enriquecimento sem
causa” para os autores da ação. Ainda declarou que o valor não tem
amparo jurisprudencial. O desembargador Baltazar condenou a Coelba a
pagar indenização de R$ 10 mil pela despesa com funeral, mesmo que a
despesa não tenha sido comprovada nos autos, pois é certo que a família
teve gastos com o velório e enterro da menina.
O pagamento da pensão mensal vitalícia é amparado pela Súmula
491, do Supremo Tribunal Federal (STF), que definiu que “é indenizável o
acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça
trabalho remunerado”. “A pensão alimentícia, nesses casos, difere do
contexto da prestação que se dá dos genitores para os seus descendentes.
Enquanto a pensão alimentícia usualmente paga aos filhos leva em conta a
impossibilidade de subsistência por si próprio do alimentando e a
possibilidade da prestação pelo alimentante, a pensão ora pleiteada
vale-se da solidariedade familiar”, explica Baltazar. A família da
vítima é pobre e por isso, nas palavras do relator, deve se presumir
que, “mesmo menor, iria contribuir futuramente, ainda que na execução de
pequenas tarefas domésticas, e muito mais poderia, no futuro, ajudar no
sustento familiar, porquanto restou incontroversa a escassez de
recursos da família”.
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