DADOS PESSOAIS - Padre Cícero Romão Batista nasceu em Crato (Ceará) no dia 24 de março de 1844. Era filho de Joaquim Romão Batista e Joaquina Vicência Romana, conhecida como dona Quinô.
Aos seis anos de idade, começou a estudar com o professor Rufino de Alcântara Montezuma. Um fato importante marcou a sua infância: o voto de castidade, feito aos 12 anos, influenciado pela leitura da vida de São Francisco de Sales.
Em 1860, foi matriculado no Colégio do renomado padre Inácio de Sousa Rolim, em Cajazeiras-Paraíba. Aí pouco demorou, pois a inesperada morte de seu pai, vítima de cólera-morbo, em 1862, o obrigou a interromper os estudos e voltar para junto da mãe e das duas irmãs solteiras (Angélica Vicência Romana e Maria Angélica Romana, sendo esta mais conhecida como Mariquinha).
A morte do pai, que era pequeno comerciante no Crato, trouxe sérios aperreios financeiros à família, de tal sorte que, mais tarde, em 1865, quando Cícero Romão Batista precisou ingressar no Seminário da Praínha, em Fortaleza, só o fez graças à ajuda de seu padrinho de crisma, o coronel Antônio Luiz Alves Pequeno, nome proeminente no município de Crato.
ORDENAÇÃO - Padre Cícero foi ordenado no dia 30 de novembro de 1870, em Fortaleza. Após sua ordenação retornou ao Crato, onde no dia 8 de janeiro de 1871 celebrou sua primeira missa na terra natal. Enquanto o Bispo não lhe dava paróquia para administrar, ficou ensinando Latim no Colégio Padre Ibiapina, em Crato, fundado e dirigido pelo professor José Joaquim Teles Marrocos, seu primo e grande amigo.
CHEGADA A JUAZEIRO - No Natal de 1871, convidado pelo professor Semeão Correia de Macêdo, Padre Cícero visitou pela primeira vez o povoado de Juazeiro (então pertencente a Crato), e aí celebrou a tradicional Missa do Galo.
O padre visitante, de 28 anos de idade, estatura baixa, pele branca, cabelos louros, olhos azuis penetrantes e voz modulada, causou boa impressão aos habitantes do lugar. E a recíproca foi verdadeira. Por isso, decorridos alguns meses, exatamente no dia 11 de abril de 1872, lá estava de volta, com bagagem e família (a mãe, as duas irmãs e uma criada conhecida como Tereza do Padre), para fixar residência definitiva no Juazeiro.
Muitos livros afirmam que Padre Cícero resolveu fixar morada em Juazeiro devido a um sonho (ou visão) que teve, segundo o qual, certa vez, ao anoitecer de um dia exaustivo, após ter passado horas a fio no confessionário do arraial, ele procurou descansar no quarto contíguo à sala de aulas da escolinha onde improvisaram seu alojamento, quando caiu no sono e a visão que mudaria seu destino se revelou. Ele viu, conforme relatou aos amigos íntimos, Jesus Cristo e os doze apóstolos sentados à mesa, numa disposição que lembra a Última Ceia, de Leonardo da Vinci. De repente, adentra ao local uma multidão de pessoas carregando seus parcos pertences em pequenas trouxas, a exemplo dos retirantes nordestinos. Cristo, virando-se para os famintos, falou da sua decepção com a humanidade, mas disse estar disposto ainda a fazer um último sacrifício para salvar o mundo. Porém, se os homens não se arrependessem depressa, Ele acabaria com tudo de uma vez. Naquele momento, Ele apontou para os pobres e, voltando-se inesperadamente ordenou: E você, Padre Cícero, tome conta deles!
APOSTOLADO - Uma vez instalado no lugarejo, formado por um pequeno aglomerado de casas de taipa e uma capelinha erigida pelo primeiro Capelão, padre Pedro Ribeiro de Carvalho, em honra de Nossa Senhora das Dores, Padroeira do lugar, ele tratou inicialmente de melhorar o aspecto do pequenino templo, adquirindo várias imagens com as esmolas dadas pelos fiéis.
Depois, tocado pelo ardente desejo de conquistar o povo que lhe fora confiado por Deus, desenvolveu intenso trabalho pastoral com pregação, conselhos e visitas domiciliares, como nunca se tinha visto na Região. Dessa maneira, rapidamente ganhou a simpatia dos habitantes, passando a exercer grande liderança na comunidade.
Paralelamente, agindo com muita austeridade, cuidou de moralizar os costumes da população, acabando pessoalmente com os excessos de bebedeira e a prostituição. Restaurada a harmonia, o povoado experimentou, então, os primeiros passos de crescimento, atraindo gente da vizinhança curiosa por conhecer o novo Capelão. Para auxiliá-lo no trabalho pastoral, Padre Cícero resolveu, a exemplo do que fizera Padre Ibiapina, famoso missionário nordestino, falecido em 1883, recrutar mulheres solteiras e viúvas para a organização de uma irmandade leiga, formada por beatas, sob sua inteira autoridade.
MILAGRE - Um fato incomum, acontecido em 1º de março de 1889, transformou a rotina do lugarejo e a vida de Padre Cícero para sempre.
Naquela data, ao participar de uma comunhão geral, oficiada por ele na Capela de Nossa Senhora das Dores, a beata Maria de Araújo ao receber a hóstia consagrada, não pôde degluti-la, pois a mesma se transformou em sangue.
O fato se repetiu outras vezes, e o povo achou que se tratava de um novo derramamento do sangue de Jesus Cristo e, portanto, era um milagre autêntico.
As toalhas com as quais se limpavam a boca da beata ficaram manchadas de sangue e passaram a ser alvo da veneração de todos.
REAÇÃO DA IGREJA - De início, Padre Cícero tratou o caso com cautela, guardando inclusive sigilo por algum tempo. Os médicos Marcos Madeira e Idelfonso Correia Lima, e o farmacêutico Joaquim Secundo Chaves foram convidados para testemunhar as transformações, e depois assinaram atestados afirmando que o fato era inexplicável à luz da ciência. Isto contribuiu para fortalecer no povo, no Padre Cícero e em outros sacerdotes a crença no milagre.
O povoado passou a ser alvo de peregrinação: as pessoas queriam ver a beata e adorar os panos tintos de sangue. O professor e jornalista José Marrocos, desde o começo um ardoroso defensor do milagre, cuidou de divulgá-lo pela imprensa.
A notícia chegou ao conhecimento do bispo D. Joaquim José Vieira, irritando-o profundamente. Padre Cícero foi chamado ao Palácio Episcopal, em Fortaleza, a fim de prestar esclarecimentos sobre os acontecimentos que todo mundo comentava.
Inicialmente, o bispo ficou admirado com o relato feito por Padre Cícero, porém depois, pressionado por alguns colegas de batina que não aceitavam a idéia do milagre, mandou investigar oficialmente os fatos, nomeando uma Comissão de Inquérito composta por dois sacerdotes de reconhecida competência: os padres Clicério da Costa Lobo e Francisco Ferreira Antero.
Os padres comissários vieram, passaram 15 dias investigando os fatos, assistiram às transformações, examinaram a beata, ouviram testemunhas, conversaram com os médicos, e depois concluíram que o fato era mesmo divino. Mas o bispo não gostou desse resultado, e nomeou outra Comissão, constituída pelos padres Antônio Alexandrino de Alencar e Manoel Cândido.
A nova Comissão agiu rapidamente. Em apenas dois dias convocou a beata, submeteu-a a pressões psicológicas, deu-lhe a comunhão e como nada de extraordinário aconteceu, concluiu: Não houve milagre!
Este novo resultado foi do inteiro agrado do bispo, mas o povo, professor José Marrocos, Padre Cícero e todos os outros padres que acreditavam no milagre protestaram.
Com a posição contrária do bispo, criou-se um tumulto, agravado quando o Relatório do Inquérito foi enviado à Santa Sé, em Roma, e esta confirmou a decisão tomada pelo bispo.
Todos os padres que acreditavam no milagre foram obrigados a se retratar publicamente, ficando reservada ao Padre Cícero uma punição maior: a suspensão de ordem.
Durante toda sua vida ele tentou revogar essa pena, todavia foi em vão. Aliás, ele até que conseguiu uma vitória em Roma, quando lá esteve em 1898. Entretanto, o bispo, por intransigência, manteve-se irredutível na decisão tomada inicialmente.
Cem anos depois o milagre de Juazeiro passou a ser exaustivamente estudado por cientistas, historiadores, parapsicólogos e até mesmo muitos padres, e as conclusões apontam para a inexistência de fraude ou embuste, como muitos segmentos da Igreja até então supunham. Há quem considere o fenômeno (inclusive padres) como sendo um milagre eucarístico.
No momento encontra-se em curso um processo visando à reabilitação histórica e eclesiástica de Padre Cícero, solicitado pelo próprio Vaticano e conduzido pelo bispo D. Fernando Panico, da Diocese do Crato.
VIDA POLÍTICA - Proibido de celebrar, Padre Cícero ingressou na vida política. Como explicou no seu Testamento, o fez para atender aos insistentes apelos dos amigos e no momento histórico em que os juazeirenses esboçavam um movimento de emancipação política.
Conseguida a independência de Juazeiro, em 22 de julho de 1911, Padre Cícero foi nomeado Prefeito do recém-criado município. Além de Prefeito, também ocupou a Vice-Presidência do Ceará.
Sobre sua participação na Revolução de 1914 ele afirmou categoricamente que a chefia do movimento coube ao Dr. Floro Bartolomeu da Costa, seu grande amigo. A Revolução de 1914 foi apoiada pelo Governo Federal e tinha o objetivo de depor o Presidente do Ceará, Cel. Franco Rabelo. Com a vitória da Revolução, Padre Cícero reassumiu o cargo de Prefeito, do qual havia sido retirado pelo governo deposto, e seu prestígio cresceu. Sua casa, antes visitada apenas por romeiros, passou a ser procurada também por políticos e autoridades diversas.
Era muito grande o volume de correspondências que Padre Cícero recebia e mandava. Não deixava nenhuma carta, mesmo pequenos bilhetes, sem resposta, e de tudo guardava cópia. O grande acervo de cartas e documentos do Padre Cícero constitui hoje excelente fonte de estudos desenvolvidos por muitas universidades do Brasil e do Exterior. Boa parte dessa documentação passou muito tempo trancada a sete chaves no Palácio Episcopal da Diocese do Crato e somente a partir de 2001, com a nomeação do bispo D. Fernando Panico o acesso foi franqueado aos pesquisadores.
ENCONTRO COM LAMPIÃO - Com respeito a Lampião, Padre Cícero encontrou-se com ele em 1926. Aconselhou-o a deixar o cangaço, e nunca lhe deu a patente de Capitão, como foi dito em alguns livros. Na verdade, Lampião veio a Juazeiro a convite do deputado Floro Bartolomeu para ingressar no Batalhão Patriótico e combater a Coluna Prestes. É possível que ele tenha usado o nome do Padre Cícero para tal, pois Lampião jamais recusaria um pedido de Padre Cícero. Dr. Floro não pôde receber Lampião e seu bando, pois já se encontrava no Rio de Janeiro para onde fora doente, chegando a falecer, coincidentemente, na época em que o famoso cangaceiro estava em Juazeiro. Como insistia em receber a patente de Capitão prometida por Dr. Floro, um dos secretários de Padre Cícero (Benjamim Abraão), convenceu o agrônomo Pedro de Albuquerque Uchoa, único funcionário público federal residente em Juazeiro, a assinar um documento por eles mesmos forjado, concedendo a famigerada patente que tantos aborrecimentos trouxe ao Padre Cícero, a quem muitos escritores atribuem a autoria.
A verdade é que mais tarde Dr. Uchoa foi chamado a Recife para se explicar junto às forças armadas sobre a concessão da patente, e ele, naturalmente temendo ser punido, não encontrou outra solução senão atribuir tudo ao Padre Cícero, certo de que ninguém seria capaz de repreender aquele virtuoso e respeitado sacerdote. Quem conhece a índole do Padre Cícero sabe perfeitamente que ele seria incapaz de praticar ato tão abjeto.
IMPORTÂNCIA - Padre Cícero é o maior benfeitor de Juazeiro e a figura mais importante de sua história. Foi ele quem trouxe para Juazeiro a Ordem dos Salesianos; doou os terrenos para construção do primeiro campo de futebol e do aeroporto; construiu as capelas do Socorro, de São Vicente, e a Igreja de Nossa Senhora das Dores (atualmente Basílica Menor); incentivou a fundação do primeiro jornal local (O Rebate); fundou a Associação dos Empregados do Comércio e o Apostolado da Oração; realizou a primeira exposição da arte juazeirense no Rio de Janeiro; incentivou e dinamizou o artesanato artístico e utilitário, como fonte de renda; incentivou a instalação do ramo de ourivesaria; estimulou a expansão da agricultura, introduzindo o plantio de novas culturas; contribuiu para instalação de muitas escolas, inclusive a famosa Escola Normal Rural, Colégio Salesiano e o Orfanato Jesus Maria José; socorreu a população durante as secas e epidemias, prestando-lhe toda assistência e, finalmente, projetou Juazeiro no cenário político nacional, transformando o pequeno lugarejo numa das mais importantes cidade do interior nordestino.
Os bens que recebeu por doação, durante sua quase secular existência, foram doados à Igreja, sendo os Salesianos e a Diocese do Crato seus maiores herdeiros.
Ao morrer, no dia 20 de julho de 1934, aos 90 anos, seus inimigos gratuitos apregoaram que morto o ídolo, a cidade que ele fundou e a devoção a sua pessoa acabariam logo. Enganaram-se. A cidade prosperou e a devoção aumentou. Até hoje, todo ano, religiosamente, no Dia de Finados, uma grande multidão de romeiros, vinda dos mais distantes lugares do Brasil, chega a Juazeiro para uma visita ao seu túmulo, na Capela do Socorro.
Padre Cícero é uma das figuras mais biografadas do mundo. Sobre ele já foram editados mais de trezentos livros, sem se falar nas matérias que são publicadas freqüentemente na imprensa. Ultimamente sua vida vem sendo estudada por cientistas sociais do Brasil e do Exterior, sendo tema frequente de trabalhos acadêmicos.
Não foi ainda canonizado pela Igreja, porém é tido como santo por sua imensa legião de fiéis espalhados pelo Brasil.
O binômio “oração e trabalho” era o seu lema. E Juazeiro é o seu grande e incontestável milagre. Em março de 2001, em eleição promovida pelo Sistema Verdes Mares de Televisão, Padre Cícero foi escolhido O CEARENSE DO SÉCULO.
BIBLIOGRAFIA
DELLA CAVA, Ralph. Milagre em Joaseiro. 2ª ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1985.
FORTI, Maria do Carmo P. Maria de Araújo, a beata do Juazeiro. São Paulo: Edições Paulinas, 1991.
GUEIROS, Optato. Lampeão. 2 ed. São Paulo, 1953.
MENEZES, Fátima. Lampião e o Padre Cícero. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1985.
OLIVEIRA, Amália Xavier de. O Padre Cícero que eu conheci. 3 ed. Recife: Editora Massangana, 1981.
SOBREIRA, Azarias. O Patriarca de Juazeiro. Petrópolis: 1968.